Eu abri uma caixa de perguntas e sugestões e o resultado é que as pessoas estão buscando novos modos de lidar com a vida cotidiana nesses tempos sombrios. Então eu sigo por aqui tentando ajudar como posso.
As questões que surgiram representam as mesmas inquietações de “tempos normais”: como lidar com a ansiedade e o estresse e como gerenciar o tempo. Mas adicionado ao fator trabalho remoto e com o luto: como seguir vivendo o dia a dia neste contexto?
Algumas pessoas têm sentido uma mudança em sua percepção do tempo e que estão perdendo a conexão com o momento presente, como que vagando em uma espécie de fronteira de si mesmas, em um estado de suspensão.
É natural, em momentos complexos e intensos, as pessoas apresentarem alguns sintomas de dissociação da realidade e amnésia temporária como um mecanismo de defesa psíquica disparada pelo medo.
Se você tem sentido um aumento dos níveis de estresse e ansiedade, mudança de sua percepção da passagem do tempo, dissociação ou amnésia temporária, não se assuste. Esses sintomas só são considerados patológicos se forem frequentes, acontecerem por um longo período e começarem a interferir em suas atividades diárias. Se isso persistir, procure ajuda profissional.
Na minha “estadia” na arte e no campo da filosofia, aprendi a me relacionar com o tempo de um modo diferente do que esta nova era nos exige. Hoje vejo que o excesso de uso de eletrônicos e de informação tem produzido em toda a gente um certo déficit de atenção e poucas pessoas conseguem ter foco para coisas densas, profundas e que exigem mais que trinta segundos de permanência.
O efeito disso é que estamos perdendo gradualmente a capacidade de refletir e falar sobre temas essenciais como a vida e a morte e, por não sabermos como lidar com a efemeridade e a impermanência, tentamos congelar cada momento em uma infinita galeria de imagens, vídeos e reproduções.
Esse fenômeno nos coloca diante de um tema que foi largamente explorado na filosofia desde os filósofos pré-socráticos e que encontrou no pensamento de Henri Bergson o óbvio ululante: o tempo passa e nós somos seres de passagem fadados ao desaparecimento.
Como você gostaria de investir seu tempo? Com o que você quer “gastar” sua vida?
Talvez esses tempos de urgência, consumismo e espetacularização da vida responda a uma necessidade interior, à busca de sentido e à tentativa de permanência, enquanto somos confrontadas com o escoamento do nosso maior bem: o tempo. Algo que quanto mais tentamos segurar, mais nos escapa por entre os dedos. Ou esgota-se no simples movimento de nossos dedos e olhar passando por um feed de rede social.
Então, é sempre bom lembrar que a vida é fluxo e transformação, que estamos sempre em processo de mudança e que a morte é inevitável e, com ela, nosso desaparecimento.
Bergson nos lembra que não somos seres fixos, como não há nada que o seja na natureza, mesmo que durável (como uma rocha, uma montanha, ou uma tartaruga secular, o que não é o nosso caso que, nesta comparação, somos fugazes). Visto desse modo, o tempo parece uma fortuna muito preciosa, não é?
Se a essa altura, você segue lendo este longo texto, talvez encontre aqui algumas inspira-ações de como lidar com esse momento em que nos encontramos, com essa situação que estamos vivenciando.
Eu lhe afirmo: não existem fórmulas ou receitas e talvez esse seja um chamado para investigarmos nossa relação com o tempo, com a vida e com as pessoas ao nosso redor.
Sei que, mesmo neste contexto, ainda há muita preocupação com a produtividade e um tema que está sempre vindo é a procrastinação. Sobre isso, é importante lembrar que procrastinamos a partir de três situações:
- É algo que realmente não quero fazer
- É algo que tenho medo de fazer porque acho que não sou capaz ou que não vai dar certo
- Tenho coisas demais para fazer, que não cabem no tempo que tenho ou que não sei como priorizar
Gerenciar seu tempo lhe obriga a pensar primeiro sobre as coisas que procrastina, principalmente em um contexto como o de hoje, e passa por refletir sobre suas prioridades e sobre o sentido da vida. Talvez você possa descobrir que nem tudo precisa ser feito ou merece seu tempo. O fato é que o sentido de urgência da contemporaneidade acaba funcionando, como costumo dizer: como o cachorro correndo para morder sua canela.
Por que você está correndo? Onde acha que vai chegar? E, como quer estar quando chegar lá?
E, se a sensação de urgência bater, minha sugestão é bem singela: PARE, RESPIRE, OLHE PELA JANELA. ESCREVA o que está afligindo você, antes que ela se transforme em uma crise de ansiedade. Escrever é uma forma de tirar a perturbação da sua mente e ver que, afinal, o monstro pode ser domado. Você pode descobrir em sua jornada muitas coisas que estava ignorando. E esse simples exercício pode funcionar como um mapa de seu percurso, com rotas traçadas, obstáculos retirados e o graal mais próximo da sua mão do que imaginava.
Sei que é bem difícil, em meio a uma crise de ansiedade e mesmo de pânico, parar e respirar, quanto mais escrever. Por isso, aprender a respirar direito deveria ser prioridade em sua lista de tarefas. Afinal, a respiração é a primeira coisa que nos acontece quando chegamos aqui e será a última antes da partida. A respiração é o sopro da nossa presença. E respirações amplas e profundas nos colocam em contato com algo além da nossa pequena e curta existência.
Você precisa tirar, todos os dias, um tempo do tempo que tem para somente respirar.
Ter uma caderneta à mão parece algo anacrônico quando temos tanta tecnologia à nossa disposição. Eu mesma tenho uma séria dificuldade de escrever à mão e me dói, mas insisto porque são justamente essas atividades prosaicas, que não dependem de aparelhos eletrônicos, que nos colocam em uma relação diferente com o tempo, a ponto até mesmo de mudar nossa percepção e ele parecer mais elástico ou acelerado.
Dentre tantas atividades manuais, você pode selecionar uma que lhe chame porque criar coisas é, ainda, uma das melhores formas de investir nosso tempo e de nos colocar em contato com nosso mundo interno. Sem dizer que são excelentes modos de controlar a ansiedade, porque coloca você no aqui agora, tirando o seu foco do problema que a estava afligindo e mudando seu estado emocional, permitindo que possa refletir sobre ele em uma perspectiva mais ampla.
Exercitar sua presença torna a vida mais prazerosa e confere a ela mais sentido. Já que estamos de passagem, que possamos viver cada momento como um frame em um filme, fazendo dela a nossa obra de arte.
Eu te garanto que a sensação é bem diferente quando você para de lutar contra a realidade e se dedica a senti-la, mais do que a interpretá-la ou controlá-la. Nessa relação, vai aprendendo que é capaz de mudá-la à medida que seu pensamento se transforma, como quem escreve um roteiro.
A prática do Mindfulness é uma excelente aliada em se tornar especialista na sua própria vida e permitir-se ser atravessada pelos fluxos de transformações e mudanças, com aceitação e serenidade. E, através dela, você pode descobrir maravilhas sobre seu cotidiano que não via porque simplesmente não estava atenta.
Mas a vida... ela nunca morre. Está destinada a ser um processo contínuo de realidade, de realização de si mesma.
— Franklin Leopoldo sobre Bergson
Como dizia Nuvem que Passa (Julio Cesar Guerrero), são somente iscas em palavras que espero que pesquem percepções em sua consciência.
Abraços de elevar e até a próxima.