Sua vida está passando e você não tem a mínima ideia do que está fazendo com ela?
Se você tem experimentado uma certa falta de sentido e propósito existencial ou se tem vivenciado conflitos, frustrações e desencanto no seu campo profissional, saiba que não está só e que isso não é prerrogativa sua.
Nos percursos que acompanho, muitas questões têm surgido sobre a relação das pessoas com seu trabalho e como ele consome seu tempo de vida. Por isso eu decidi falar sobre o tema para ver se lanço algumas iscas em palavras para pescar percepções em sua consciência e permitir que você faça uma revisão sobre como lida com isso e empreender as mudanças necessárias.
Espero poder ajudar a lançar luz sobre comportamentos, acordos ou contratos que estabeleceu e que agora estão pesando mais ou até mesmo vem se tornando insustentáveis.
A pandemia certamente nos obrigou a refletir sobre alguns temas que estavam em estado de latência, sonhos guardados na gaveta, planos adiados e prioridades. Tivemos de repensar nossos valores, afinal, a vida mostrou sua face de insegurança e nos esfregou na cara seu caráter de impermanência.
Se a vida se mostra frágil, tendemos a pensar mais sobre o que estamos fazendo de nosso tempo e sobre o que estamos perdendo, como diz na música Epitáfio, do Titãs:
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o Sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor
Não se tem morrido de amor, como poetas do século XIX, mas cada vez mais pessoas estão adoecendo por excesso de trabalho, o que piorou durante a pandemia. Muitas pessoas talvez tenham sido surpreendidas com essa lógica corporativa que alguns líderes insanos imprimiram de: “você está em casa, mesmo, não vai a nenhum lugar, tudo bem lhe enviar trabalho após o expediente ou nos finais de semana. Eu não tenho vida pessoal, portanto não vou permitir que você tenha”.
E, ao invés de relaxarem em seus lares, dividindo o trabalho com as tarefas domésticas, relações familiares, o lazer e o descanso, se viram super cobradas e sobrecarregadas, o que produziu um nível de estresse e ansiedade ainda maiores do que o costumeiro, afetaram a saúde física e mental e impactaram os relacionamentos.
E agora que muitas estão retornando para seus postos de trabalho, tem percebido de forma mais aguda como ter sua vida pessoal separada da profissional é saudável e como faz falta essa interação presencial. As paradas para o café para ouvir a “rádio peão” como se diz, as brincadeiras entre colegas e a percepção das sutilezas emocionais das interações profissionais, facilitada pelos intercâmbios “ao vivo”, aliviam a pressão do ambiente tenso do meio corporativo.
Agora quero salientar que não é de hoje que venho notando o lugar que o trabalho ocupa na vida das pessoas e o quanto um ambiente corporativo tóxico e exigências profissionais desumanas podem ser fatais. Isso é bem anterior ao momento que estamos vivendo. Desde minhas primeiras experiências profissionais, nos anos de 1980, quando assistia pessoas literalmente morrerem de tanto trabalhar, eu reflito sobre isso.
E se formos pensar sobre o modelo tradicional de trabalho e as horas gastas no labor, considerando uma jornada de 8, 10, 12 e em casos extremos 16 horas diárias, uma média de 6 a 8 horas de sono, levando em conta que o dia tem 24 horas, quanto tempo sobra para o restante das suas atividades, autocuidado e interações?
E para piorar, a maioria das pessoas trabalha por sua sobrevivência e poucas têm escolha e a oportunidade de trabalhar com aquilo que aprecia, em algo que faça sentido, que esteja alinhado com seu propósito de vida, onde a troca é justa e a relação sustentável.
Quanto mais na “base da pirâmide”, mais se gasta a vida sustentando quem está no topo dela.
A maioria trabalha pela troca tempoXdinheiro e todo o resto vem como bônus, como o crescimento pessoal, os relacionamentos, a oportunidade de criar ou produzir coisas interessantes. E o modelo criado pelo capitalismo nos força a viver a prazo: gastar nosso maior recurso, o tempo, para ganhar e guardar o dinheiro agora e poder viver o que desejamos no futuro. Nem sempre esse sistema dá certo ou a conta fecha.
Será que temos de nos prender irremediavelmente nesse modelo de trabalhoXconsumo? De gastar nossas vidas produzindo como engrenagens em um sistema que não nos favorece? Ou é possível criarmos novos modelos de trabalho e um novo modo de lidarmos com nossas vidas, carreiras e gerenciamento de tempo?
Uma das questões mais urgentes a debatermos é a pressão que sofremos pela tal produtividade. A própria palavra deriva de um conceito sobre máquinas: produzir mais em menos tempo. Mas no campo do desenvolvimento humano, ela foi apropriada para designar a capacidade de produzir o máximo possível com a menor quantidade de recursos ou, em outras palavras, otimizar o trabalho.
Otimização do trabalho não é de fato fazer mais em menos tempo, até porque não somos máquinas e sim, podemos entender “otimizar” como fazer melhor com menos recursos. Mas se entendermos que o tempo é nosso principal recurso, dá quase na mesma, concorda?
Então, sob essa falácia da produtividade que mantém as estruturas exploratórias vigentes e na nossa tentativa de melhorarmos nossa vida, corremos o risco de perdê-la.
Uma outra questão que pude observar foi a forma de algumas corporações fazerem a distribuição de responsabilidades e tarefas e de gerenciar seu principal ativo, o capital humano. Existem algumas empresas que tem a cultura de “apertar até espanar”, o que significa dar atribuições sobre-humanas a colaboradores até que “acusem o golpe”.
Veja, se isso acontece com você, saiba que não é sustentável a longo prazo para a sua saúde física e mental. E talvez seja necessário repensar ou sua relação com sua chefia, de modo que possa comunicar os excessos, ou sua presença nesse lugar.
Eu sei que estamos em um momento delicado onde grassa o desemprego e que a maioria das pessoas está dando “graças a deus” por ter uma ocupação remunerada.
Mas o fato é que quanto menos pessoas se submeterem a essa lógica de apertar até sangrar, menos líderes cruéis se sustentarão em seus cargos, menos empresas desumanas que visam o lucro acima da vida das pessoas que as servem se manterão atuando. Afinal, isso tudo só existe porque nós existimos.
Eu já assisti uma pessoa que acompanho modulando o comportamento de sua chefia simplesmente por mostrar segurança e assertividade ao recusar tarefas adicionais quando já tinha muitas outras a desempenhar.
E recentemente tive a oportunidade de acompanhar três pessoas gestantes, uma das quais já deu à luz a seu bebê e está de licença maternidade. E uma das maiores preocupações de uma pessoa quando tem um bebê, é justamente o que fazer para conciliar a vida com o trabalho, como seguir priorizando sua carreira quando surge essa nova demanda por seu afeto, atenção e cuidado.
E outro dia, quando conversava com minha fonoaudióloga, ela fez uma analogia muito interessante sobre o tempo e as pausas na fala, com o processo de parto. Ela me disse que o mesmo músculo que é responsável por projetar a voz, é responsável pela respiração e pelo movimento necessário para o parto, o diafragma, mudando somente a direção do deslocamento.
E essa analogia me inspirou a pensar sobre nossa relação com o tempo, sobre controle, entrega, força, suavidade, sinergia, relaxamento e, principalmente, a necessidade de observar o momento da pausa.
O parto é um processo orgânico onde o corpo que gesta e o que está sendo gestado entram em uma perfeita sinergia para que aconteça. Qualquer desequilíbrio nessa relação o impede de acontecer de forma natural.
Não é à toa que o chamamos de trabalho de parto.
Não seria lindo que pudéssemos olhar para nosso trabalho em termos de gestação e parto? E imprimir todas essas qualidades que citei? E, mais ainda, respeitar os momentos de pausa?
E, assim como uma pessoa que traz um bebê ao mundo e suas prioridades mudam, não poderíamos ver nossas vidas como um ser frágil pelo qual temos de nos responsabilizar?
Pense nisso! Abraços de elevar.