Estamos vivendo esse período esquisito que não podemos chamar de pós-pandemia, porque ela ainda está em pleno curso. Estamos em um “entre”, uma espécie de deserto onde ainda não conseguimos nos localizar.
E após o tsunami que colocou abaixo tudo o que conhecíamos no mundo e em nossas vidas, estamos tentando contabilizar os prejuízos e entender como reconstruir nosso cotidiano.
Com a vacinação avançando no país, mesmo em um ritmo lento, parte do trabalho e das escolas retornando ao presencial e algumas pessoas com uma ou as duas doses da vacina já ensaiando um “novo normal”, enquanto outras desde sempre vivendo como se fosse o “velho normal”, ainda me questiono o que significa “normal”.
Esse momento de suspensão é bastante propício a refletir sobre as rupturas e permanências. É possível retornar ao que era? Ou teremos realmente de aprender novos modos de coexistência e co-criação de uma realidade que ainda está em construção? E será que temos disposição para o aprendizado e as mudanças necessárias?
Ao contrário do que se pensava, não houve um aumento expressivo dos transtornos mentais durante a pandemia e a maioria das pessoas demonstrou certa resiliência e capacidade de adaptação para lidar com cada momento do processo.
Ainda assim, é possível que haja consequências a longo prazo, principalmente entre as pessoas mais jovens e vulneráveis, devido ao longo período de confinamento e ao luto mal elaborado. Ademais, muitas pessoas têm acusado, entre outros sintomas, cansaço crônico, falta de energia e de motivação e problemas para dormir.
Eu penso que esse evento dramático em que todo o nosso sistema de autopreservação foi acionado e tivemos de lidar com situações de imprevisibilidade, gerou na maioria de nós muita insegurança. Por um lado, nossas certezas foram abaladas, mas por outro recebemos um convite para uma mudança profunda nos nossos hábitos e comportamentos. Será que vamos aceitá-lo?
Talvez estejamos nesse momento diante de nosso mundo interior como quem está olhando para uma terra devastada, onde tudo foi colocado abaixo.
Por isso, convido você a fazer o exercício de estabelecer uma analogia do seu solo psíquico e emocional com uma terra degradada pelos últimos acontecimentos e pelas perdas sofridas. O que é preciso fazer para restaurá-la e germinar sua vida?
Existe uma prática de recuperação de áreas degradadas que foi popularizada no Brasil pelo agricultor e pesquisador suíço Ernst Götsch, pai da chamada Agricultura Sintrópica, um sistema de cultivo agroflorestal baseado no conceito de sintropia. A sintropia se caracteriza pela organização e integração através de interações que resultam na preservação de energia ou equilíbrio energético de um sistema.
O que caracteriza o cultivo sintrópico é o belo ciclo de respeito à vida e o convite ao nascimento do novo, acontecendo sempre como um processo coletivo. Como afirma Götsch, “água se planta”, ou seja: nesse processo em que se cultiva uma variedade de mudas na mesa área, criando rizomas, mantendo o solo coberto e protegido, criando condições sustentáveis para aquele meio ambiente, respeitando a dinâmica natural desse ecossistema, mantendo a floresta e protegendo as nascentes, o resultado é a abundância.
Não há economia de vida nisso, não há a destruição de algo para dar espaço a outra coisa, tampouco o rebaixamento de uma vida em função da outra. Tudo vive simultaneamente em diversidade.
A vida é fluxo. Não é uma conserva. Somos animais de clareiras, vamos tentar nos reconciliar com o planeta e buscar nossa função , movidos pelo prazer interno.
Eu concordo com Götsch: nós somos animais de clareiras e, por elas, enxergamos o infinito. A vida é fluxo e precisamos encontrar novos modos de recriá-la infinitamente em nossos corpos, mentes e corações e também no mundo, sem economizar o desejo. O grande aprendizado de seu método é que tudo subsiste em um ecossistema equilibrado, que gera seus próprios recursos como o adubo e combate às pragas sem necessidade de intervenção externa.
Então, se você puder ver sua vida interior atual como uma terra degradada, o que seria necessário fazer para recuperá-la e encontrar o equilíbrio sem economia do desejo?
O que você pode fazer com o que a realidade da pandemia trouxe para sua vida? O que você pode construir a partir dessa experiência?
Eu tenho feito algumas reflexões sobre meus valores, minhas prioridades e minha relação com o tempo. E criei um conjunto de ações que gostaria de compartilhar com você e espero que ajude a “pescar algumas percepções na sua consciência”.
1 - Alimentação é nutrir-se do que faz bem e dá prazer:
Ando cuidando da alimentação sem me render a dietas restritivas, segundo o conceito de alimentação consciente e intuitiva que aprendi com a nutricionista Paola Altheia.
Nós somos capazes de saber nossas próprias necessidades e satisfazer as demandas do nosso corpo, conhecendo o que nos dá prazer e satisfação e o que nos causa mal-estar, o que nos faz bem e o que nos faz mal e o nosso próprio limite.
Hoje entendo que comer é um ato sensorial e afetivo, mais do que só nutrição física, e estou resgatando o prazer de cozinhar como um movimento de amor por mim e por quem comigo compartilha as refeições.
2 - A vida é movimento e o corpo seu instrumento:
Estou cuidando do meu corpo “como se eu fosse criança”, como diz na música de Uma Luiza Pessoa, buscando práticas corporais lúdicas e vigorosas, quando possível na natureza, com atividades prazerosas e desafiadoras para vencer o medo e os limites auto impostos
O nosso corpo é mais do que um veículo, ele não é uma função a serviço da nossa mente ou transportadora da nossa alma.
Nosso corpo é instrumento da vida acontecendo, o modo como nos expressamos e experimentamos o mundo, que se move pelo prazer e que tem a dor como sinal de que algo precisa ser mudado.
3 - Atenção plena é desfrutar da vida:
Tenho buscado estar atenta ao aqui e agora, mais presente no que estou fazendo e buscando usufruir do momento. Nossa capacidade de concentração está completamente comprometida pelas novas tecnologias e redes sociais e vamos perdendo os prazeres simples do cotidiano, investindo nosso desejo em coisas que não possuímos e acreditamos que irá nos trazer satisfação, em um ciclo de projeção de expectativas e frustrações.
4 - Eu não preciso saber de tudo do mundo, mas preciso saber tudo sobre mim:
Venho procurando cultivar meu solo mental, identificando o que “envenena” meu solo psíquico ou o que serve de adubo, protegendo minha mente de alguns temas recorrentes que funcionam como uma praga e acabam por esgotar minha energia
Tenho procurado focar a minha atenção em soluções e evitar ficar levando os problemas para a cama, mas quando as preocupações surgem, mergulho nelas e as escuto. Elas sempre têm algo de importante a dizer.
Venho buscando conhecimentos diversos e novos desafios intelectuais e exercitando a criatividade e a imaginação em exercícios de criação de memórias de futuro através de visualizações criativas de mundos onde gostaria de habitar.
5 - Venho buscando identificar meus valores internos e vinculá-los às minhas atitudes, escolhas e hábitos, além de conectá-los às minhas metas pessoais e profissionais:
Porque a vida não pode se resumir a trabalho, sustento, dinheiro e consumo, nós precisamos encontrar um sentido e um propósito no que fazemos e, acima de tudo, temos de pensar de modo menos imediatista e autocentrado e começar a pensar no futuro para além de nossas curtas existências.
Afinal, nós somos seres de tempo e estamos somente de passagem. É importante aproveitar a jornada o melhor que pudermos, mas sempre repensando nossas escolhas e ações, criando sinergia e equilíbrio com o mundo que nos cerca porque ele ainda estará aqui para outras pessoas, quando nós não estivermos mais.