O mês de março traz uma data importante e histórica que representa muito mais do que uma celebração da mulher: é um marco na luta por direitos femininos no campo político, social e no âmbito do trabalho. E segue sendo um mês para nos lembrarmos da necessidade de seguirmos nessa luta que abarca muito mais do que as pessoas que se identificam como mulheres, por mais cansades que estejamos.
Essa é uma luta por reconhecimento de direitos fundamentais da existência, uma luta por igualdade perante as leis criadas, em grande parte, por homens cis brancos e heterossexuais que pensam que seu modo de existir deve ser a norma.
Nesse contexto, se considerarmos o peso biológico, social e histórico de carregar um útero aliado ao papel social que a mulher assume, é meio óbvio que precisem ter seus direitos garantidos, mesmo que alguns deles não abarque os homens.
Olhando para o cenário político, econômico e social deste último ano no país, de março a março, mulheres deveriam estar à frente da criação das leis e processos sociais, tanto quanto na criação das crianças.
Vamos fazer uma reflexão sobre o que é ser mulher em nossa sociedade: as mulheres, além de estarem sujeitas a grandes incômodos e flutuações hormonais relacionados ao ciclo menstrual, engravidam, o que as fazem perder oportunidades de emprego ou promoção e até receber menores salários mesmo nas mesmas funções. Há muito mais homens em cargos de liderança, tanto nas organizações quanto na política, de modo que ficam de fora de importantes decisões com impacto coletivo.
As mulheres ainda carregam, em sua maioria, a responsabilidade pela educação das crianças. Em um divórcio, é mais comum as mulheres ficarem com a guarda das crianças, sendo que o pai tem o direito de visita a cada quinze dias. Isso quando eles querem, quando assumem sua responsabilidade parental e pagam pensão regularmente.
Por terem de lidar com questões de sua própria saúde reprodutiva, se equilibrar entre tarefas domésticas, criação dos filhos, preocupações financeiras e sua carreira, além das inúmeras pressões desnecessárias que sofrem sobre sua aparência e comportamento, as mulheres são mais afetadas pelo estresse e quadros de ansiedade e depressão.
Soma-se a isso a quarentena, onde tiveram de assumir ainda mais tarefas simultâneas e quando foi observado um aumento da violência doméstica, concluímos que avançamos alguns passos na luta para garantia de direitos femininos, mas que ainda falta uma grande e exaustiva caminhada para podermos afirmar, sem medo, de que o jogo está justo para todes.
Mulheres devem ter sua liberdade de escolha e seus direitos reprodutivos garantidos, assim como o apoio do estado nessa tarefa de educar aqueles que serão cidadães no futuro, bem como uma justa divisão de responsabilidades na educação das crianças e tarefas domésticas. Em tempo, a educação das crianças é uma responsabilidade social que impacta diretamente na qualidade de uma nação, portanto, deveria ser uma trabalho respeitado e valorizado.
Não dá para falar em direitos iguais enquanto esperamos homens cis branco hetero acompanharem as mudanças no mundo e assumirem um papel menos opressor na família e na sociedade. O melhor seria falarmos em “direitos proporcionais às responsabilidades e às perdas sociais e reparação histórica”.
Sei que muitos homens e algumas mulheres irão discordar disso, mas está tudo bem, também. É saudável discordar. O que não é educado e tampouco sensato é desmerecer ou se interpor na luta das mulheres, principalmente quando não é seu lugar de fala ou quando não quer assumir sua participação nela.
Infelizmente eu ainda me deparo com mulheres defendendo com orgulho que não são feministas e algumas ainda completam: sou feminina (o que é que isso signifique). E sei que temos de ter uma paciência infinita e sororidade para mais de século para trazê-las para a consciência da coletividade e do significado de feminismo, de que a luta feminista abarca (ou deveria abarcar) outras esferas da macro política como os direitos dos povos negro e indígena e das pessoas LGBTQIA+.
Algumas vezes tenho a impressão de que existe uma espécie de “sociedade secreta” que repudia qualquer movimento de mudança e que tenta suprimir qualquer ação de nos libertar de padrões de opressão. E entendo o porquê de tanta resistência: quando alguém se liberta, reforça a impotência de quem permanece sob o jugo de tais códigos. Mas eu afirmo que se você está em um movimento de se libertar de alguma prisão, voluntária ou não, encontrará em sua caminhada muito mais mãos para segurar as suas do que para tentar interrompê-la.
Infelizmente eu ainda percebo uma obediência inconsciente a padrões de comportamento e estereótipos de gênero feminino em mim e em outras mulheres independentes e empoderadas, talvez pela nossa necessidade de aceitação e aprovação. Um dos fatores ao qual atribuo o agravamento dos sintomas de estresse, ansiedade e depressão em mulheres tem origem histórica e cultural: elas aprendem desde muito cedo que algo lhes falta, que nunca serão boas o suficiente e que seu maior foco na vida é agradar e ser aceita e aprovada.
E se há algo que não me canso de repetir para as mulheres que eu acompanho é: não há nada de errado com você, nada lhe falta, você é uma expressão da natureza, uma usina de força, uma potência, um acontecimento que, porventura, nasceu no sexo biológico capaz de gestar (o que não é prerrogativa de mulheres e sim de pessoas que menstruam). E até mesmo ser mãe é uma escolha pessoal e inalienável. Assim como performar a feminilidade ou não.
Sinto um vento de renovação ao ver que cada vez mais mulheres têm ocupado cargos de liderança em empresas e posições políticas de impacto social e que, a despeito de retrocessos na conquista de direitos, seguimos firmes e fortes e ninguém está soltando a mão de ninguém.
É uma questão de tempo para essa bolha de opressão, desigualdade e violência estourar e podermos ver germinar um campo onde possamos coexistir em nossas singularidades.
Ser mulher é uma construção que está na base da opressão social, mas também do florescimento da liberdade e de um mundo melhor para todes.