O silêncio não é vazio, ele é povoado por muitas vozes. Quando nós nos convidamos a mergulhar em nosso silêncio interior, somos capazes de ouvi-las.
Essas vozes podem ser resultado do diálogo interno daquela parte superficial e tagarela de nossa mente. Ela tenta desviar nossa atenção de temas importantes e profundos da nossa alma. Elas podem ser o eco de nossos complexos e traumas gritando as verdades inconvenientes das quais queremos fugir e nos esconder. E elas podem ser as vozes ancestrais que nos guiam na nossa jornada de autoconhecimento. O paradoxo reside em precisarmos mergulhar no silêncio para escutarmos as verdades que fomos escamoteando ou as tantas coisas diante das quais nos sentimos silenciadas.
No silêncio interior, podemos ouvir o canto e a sabedoria de nossa ancestralidade ecoando em nós.
Quando entramos em contato com essas verdades essenciais e com o silenciamento imposto por essa cultura violenta e opressora, é preciso afirmar, compartilhar e muitas vezes gritar a verdade, sobre o que sentimos, pensamos e precisamos mudar.
Um percurso terapêutico permite dar voz a nossas dores, em um ambiente seguro, acolhedor e gentil. E quando nossos fantasmas interiores ganham corpo e voz, não podem mais ser trancafiados nos porões de nossas mentes sem barulho.
Em um processo terapêutico, as dores são transformadas em propósito.
A terapia permite expressarmos em voz alta ou em gesto, o que em nós é o silêncio que fere. É preciso falar sobre o que lhe aconteceu, por mais difícil que seja, para poder banir os fantasmas que a assombram.
Não é fácil olhar sob o assoalho da mente, mas é necessário para se libertar. É como limpar as gavetas de papéis antigos: jogar fora o que não serve, o que expirou a validade, o que não traz boas lembranças e manter somente o essencial e que vai ser de grande valia na nossa jornada.
Tenho observado o que chamo de “sociedades secretas”: grupos de pessoas oprimidas que seguem legitimando a própria opressão e a das outras pessoas. E, quando uma pessoa ousa desafiar as normas impostas, arrisca a liberdade de ser singular, se livrar das correntes que arrasta e seguir por outro caminho, pode haver inúmeras tentativas de impedir seu movimento ou puxá-la de volta.
O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos.
— Simone de Beauvoir
A série Big Little Lies, da HBO, expõe o problema da violência doméstica e apresenta a solução: a união entre mulheres como uma arma para combater o abuso e a opressão por parte dos homens. Quando mulheres se unem, elas se tornam mais fortes, como gravetos que podem ser quebrados quando estão separados, o que é impossível fazer quando estão juntos.
Talvez por isso se estimule a rivalidade entre elas: dividir para conquistar. E, quando alguém se liberta e ganha autonomia perante seu grupo, revela a opressão e reforça a impotência de quem segue sendo oprimido. São forças reativas contra forças ativas. É o poder tentando capturar a potência multiplicada por essas vozes que se afirmam e se unem.
Infelizmente ainda vivemos em uma sociedade machista que normaliza o abuso e a violência contra as mulheres. Por isso é tão importante sermos pacientes para lidar com o tempo de cada pessoa, praticar a escuta e o acolhimento e apoiar ao invés de criticar ou julgar.
Se queremos produzir uma revolução, que seja pelo amor. E o amor só ganha força dentro de nós, quando conseguimos praticá-lo por nós mesmas.
Por isso, convido você a olhar para as suas relações atuais, de qualquer ordem. A opressão e a violência espreitam e podem vir de onde menos se espera, de forma sutil ou escancarada. É preciso estar atenta e forte.
Eu acredito na potência do amor multiplicado, capaz de transbordar e se espalhar pelo mundo, tal qual sementes de dente-de-leão que vão se espargindo e germinando no campo as infinitas possibilidades de existir.
Então, sejamos revolucionárias atirando bombas de semente de amor e de paz.