Na semana passada eu falei sobre Mindfulness, que é certamente uma excelente técnica de autorregulação. Talvez ela seja a prática de meditação mais simples e acessível, mas também a mais desafiadora, já que um dos maiores desafios atuais é a nossa relação com o tempo e o consumo de conteúdo. A maioria de nós está sobrecarregada de informações e de tarefas.
Ela é acessível porque se trata do simples ato de prestar atenção no momento presente, no que você está fazendo, trazer sua presença para o aqui e agora, sem deixar que seu pensamento vagueie no passado ou tente antecipar o futuro.
Por isso, ela tem um efeito positivo de autorregulação, porque desarma o gatilho de luta e fuga do nosso cérebro, que dispara diante de tudo o que considera uma ameaça (que pode ser qualquer coisa no entorno que produza estresse).
Mas como praticar Mindfulness em um contexto de medo e insegurança, com todos os desafios que estamos vivendo de imprevisibilidade, trabalho remoto e educação a distância?
Eu fui pesquisar para este texto e deparei com uma entrevista no UOL do psicanalista Laerte Sznelwar, especialista em saúde mental do trabalhador, sobre o impacto da pandemia no campo profissional. Ele afirmou que será preciso reencantar o trabalho e a educação.
Porém, sejamos realistas que a maioria das pessoas já se encontrava em desencanto profissional e existencial. Em um sistema capitalista, há um distanciamento da pessoa com aquilo que ela produz, o que pode fazê-la se sentir somente uma parte insignificante do processo, de modo que acabe por não se engajar realmente, o que vai tornando seu trabalho mais proforma e menos criativo.
O trabalho pode ocupar um lugar em nossas vidas de simples labor e fonte de sobrevivência e não de aplicação da nossa energia criativa e produção de valores para nós e o mundo, o que cria essa desconexão.
Mesmo assim, grande parte da motivação das pessoas de ir para o trabalho, enfrentando o próprio desgosto, ambientes insalubres e lideranças abusivas, era a possibilidade de conexão: os encontros e a troca aliviavam um pouco essa carga. Subtraiu-se a relação, somou-se a pressão sobre os trabalhadores, sejam eles de que área forem, inclusive e principalmente os profissionais da educação que, se antes já tinham uma jornada de trabalho extra (não remunerada), na preparação de aulas e revisões, com a pandemia tiveram suas cargas redobradas pela necessidade de adaptação a essa nova linguagem.
E é precisamente em tempos complexos que precisamos ainda mais de mecanismos de autocuidado, autorregulação e autodeterminação.
Esses períodos nos obrigam a repensar nossos hábitos, valores, metas, escolhas profissionais, relacionamentos românticos e familiares. Em resumo: praticamente tudo em nossas vidas está sendo posto em xeque. E tenho ouvido muitas variações da frase: preciso rever minha vida.
Se você tem pensado isso, espero que este texto ajude você a encontrar algum alento ou, melhor ainda, que acenda em você a vontade de mudança.
Bem, partindo do pensamento inicial, na minha opinião é preciso que nós reencantemos a própria vida. Isso é possível? Como é que se faz isso?
Essas são grandes questões e elas certamente irão fazer você ter de gastar algum tempo do tempo que tem para refletir. E, se me disser que não lhe sobra tempo sequer para pensar, então eu lhe afirmo: você tem um problema e este é o primeiro a ser revisto.
Eu penso que para reencantar a vida é preciso abrir e expandir o olhar sobre o cotidiano. É preciso abrir e expandir o coração para os sentimentos, particularmente o amor. É preciso convidar o corpo a experimentar novas sensações. É preciso reacender o tesão de viver, porque, como dizia o psiquiatra Roberto Freire: sem tesão, não há solução.
O tesão é o conjunto de coisas que nos mobiliza, que nos traz potência.
— João da Mata
Veja, somente você pode realmente saber o que lhe traz potência e o que tira sua energia, o que lhe dá prazer ou causa desconforto. E é precisamente pela auto-observação que você saberá identificar isso. Ou seja: a prática de Mindfulness é uma excelente aliada nessa investigação.
O prazer é uma experiência pessoal, embora não intransferível. E eu sei que parte do nosso prazer e da nossa potência está capturada por essa máquina das relações de trabalho e que nós investimos muito de nosso tempo de vida no campo profissional. Por isso mesmo, quem não sente prazer no trabalho, pode estar perdendo sua vida tentando ganhá-la e empobrecendo a vida, mesmo que enriquecendo a conta bancária.
Se abrimos mão de viver nosso tesão por um dia, é um dia perdido em nossa vida. Perder o tesão é transformar nossa própria existência em algo secundário. O prazer é uma espécie de bússola que nos indica o caminho, é um dos principais mecanismos de autorregulação.
— João da Mata
Dito isso, quero convidar você a investigar o que lhe dá prazer e o que lhe dá desgosto e entender que a autorregulação passa por descobrir o que te faz bem e o que te faz mal para fazer escolhas baseadas no seu amor-próprio e nos seus valores e não na necessidade de participar de um sistema, ser aceito em uma sociedade, possuir coisas (ou ser possuído por elas) e ter segurança, essa palavrinha que costuma ser a chave das nossas prisões.
Parte do nosso conceito e atitudes sobre trabalho é influenciada pela nossa cultura familiar. E a outra parte pela cultura da sociedade na qual participamos. Então, para que possa pensar sobre qual posição o trabalho ocupa em sua vida é preciso sim, um olhar para o passado, mas o foco no presente.
Por isso, listei abaixo algumas provocações para incitar sua reflexão:
Você consegue se lembrar da ideia que tinha sobre trabalho quando era criança? Como era a relação das pessoas adultas ao seu redor com suas profissões? Você sentia o desejo de chegar logo à vida adulta para poder trabalhar? Havia algum modelo a seguir? O que você queria ser quando crescesse? O que você se tornou profissionalmente é próximo do seu sonho de infância? Como você se sente com seu trabalho atual? Você vê propósito e sentido nele? Seu trabalho lhe dá prazer? Qual o propósito do seu trabalho atual? Quais são seus objetivos e metas nesse campo?
Vamos lá: mãos à obra em sua escrita curativa. Depois me conta que percepções pescou em sua consciência. Até a próxima. Abraços de elevar!