E no começo de tudo, achávamos que o fim estaria próximo. Pensamos que logo voltaríamos a normalidade e nos surpreendemos gradativa e inexoravelmente com a realidade que ainda estamos vivendo.
Na continuidade, nossa capacidade de adaptação e de resiliência foi sendo testada diariamente e cada pessoa teve de ir encontrando uma maneira própria de lidar com as limitações impostas pelas circunstâncias e reinventar modos de viver, de amar e de se relacionar.
Amizades foram rompidas pela falta de contato, outras aprofundadas na atenção e no cuidado mútuo, cultivado virtualmente. Pessoas que estavam sós, embrenharam-se ainda mais em sua solidão ou encontraram outros modos de promover encontros, virtuais ou presenciais.
Eu assisti casais indo morar na mesma casa para diminuir os riscos de contaminação, evitar o afastamento e contornar o isolamento. Por outro lado, vi outras pessoas se separem por diferenças de opinião sobre as medidas de segurança ou desgaste do relacionamento devido a intensidade e constância do contato.
Algumas famílias encontraram formas de conciliar as diversas agendas e atividades individuais, dividir tarefas e aprofundar os vínculos. Outras se desgastaram em meio ao caos que se estabeleceu, com consequências psicológicas e emocionais para todas as pessoas envolvidas, principalmente crianças e adolescentes.
Estamos atravessando um luto coletivo pelas quase 600 mil mortes. E muitas pessoas ainda estão lamentando suas perdas individuais e vivenciando o luto pelos amores perdidos para o vírus. Muitas famílias foram impactadas de um modo irreversível e ainda há medo e muita dor e sofrimento envolvido neste período histórico que estamos atravessando.
O fato é que ainda estamos em processo e com o avanço da vacinação e da flexibilização das medidas de isolamento, com o retorno as aulas e do trabalho presencial, seguimos pensando como seremos capazes de estabelecer as novas rotinas, resgatar os relacionamentos de amizade e com familiares de quem nos afastamos durante a quarentena.
Quando a interação social se torna o maior desafio até mesmo para as pessoas mais sociáveis, as pessoas mais tímidas e retraídas terão de despender um esforço ainda maior para o retorno a sociabilização.
Especialistas em saúde mental tem apontado a possibilidade de um aumento de “ansiedade social” nesse processo, porque o isolamento por um longo período pode provocar um impacto em nossas habilidades sociais e capacidade de interação. Em outras palavras, muitas pessoas foram perdendo seu repertório de convivência e precisarão de algum tempo para se adaptarem novamente ao convívio presencial.
Isso faz sentido se pensarmos que ao ficar algum tempo em casa, por escolha ou força das circunstâncias como um período de convalescência, muitas pessoas sentem uma certa sensação de desconforto ao voltar a sair. Imagine após esse período prolongado já próximo de 18 meses.
Certamente os desafios que vamos enfrentar no retorno ao convívio social são muito pessoais e resultam diretamente de como enfrentamos o período de isolamento. Então não há uma regra ou receita de bolo de como nos preparar para voltar a rotina de trabalho e relacionamentos.
É importante investigar como se sente sobre isso para começar a estabelecer suas próprias estratégias de readaptação. Nada como uma boa conversa consigo (ou na terapia, caso tenha acompanhamento) para descobrir em que ponto você se encontra e como se preparar e se adaptar.
A seguir eu coloco algumas questões que tem surgido na clínica e indico uma possível estratégia, mas só como sugestão para que você faça do seu próprio modo:
Questão: Está com medo de se infectar com o vírus?
Estratégia: Siga respeitando as regras de segurança
Questão: Tem sentido ansiedade em retornar ao convívio?
Estratégia: Se permita ir aos poucos e em seu próprio ritmo
Questão: Tem sentido pouco desejo de voltar se sociabilizar?
Estratégia: Vá treinando e fortalecendo seu “músculo social”
Questão: Está com temor de não se adaptar ao trabalho presencial?
Estratégia: Tenha honestidade consigo e seja transparente com colegas e chefia.
Questão: Está com medo de não conseguir um novo relacionamento?
Estratégia: Acolha seu medo e se lance ao desafio focando no autorrespeito.
Questão: Está de luto, se sentindo triste e com saudades?
Estratégia: Abrace a sua dor, respeite seu sofrimento e tome próprio tempo.
Reconhecendo o momento presente, tendo honestidade conosco e respeitando nossos sentimentos, nos tornamos capazes de pensar consciente e intencionalmente para os desafios futuros.
Afinal, para todas as questões, o amor será sempre a melhor resposta: amor por nós e pelas pessoas ao nosso redor e o desejo de entrarmos em relação com elas, nos abrindo para a troca e permitindo que os intercâmbios aconteçam.